Canalização, deve ser discutida antes de ser aplicada....
Nos últimos dois séculos, muitos dos cursos d’água que cortam grandes centros urbanos tiveram seus leitos transformados em grandes canais revestidos por materiais resistentes, como pedra e concreto. A canalização foi feita em nome da adequação dos cursos d’água ao crescimento dos municípios. Ao canalizá-los, era possível aumentar as vias de transporte e os loteamentos, além de se eliminar, supostamente, o problema das enchentes, do esgoto e do excesso de lixo.
Essa medida, entretanto, ignora as características naturais dos cursos d’água e, principalmente, o fato de eles serem fundamentais à regulação climática, à biodiversidade, à vida. A canalização é, na verdade, uma máscara para os problemas urbanos. Afinal, é o esgoto que deve ser canalizado e, não, os córregos e rios.
Sem obstáculos naturais, as águas cursos d’água correm mais rápido, em retos canais. Evitam-se inundações em um trecho, mas elas passam a ser mais destruidoras em trecho mais à frente, uma vez que a água chega com uma velocidade bem maior. Além disso, a aceleração das águas contribui para a eliminação das comunidades aquáticas. Morrem peixes, pássaros e vegetação dos cursos d’água e de suas margens.
O ciclo hidrológico é também prejudicado pela canalização. Com o leito de rios e córregos revestidos por materiais impermeáveis, a água não infiltra no solo e, conseqüentemente, não chega aos lençóis freáticos subterrâneos. A infiltração é importante para regularizar a quantidade de água dos rios e córregos e proporcionar seu escoamento subterrâneo até os mares e oceanos. Sem infiltrar, mais água é retida na superfície, provocando inundações nas áreas mais baixas.
Cobertos por grandes avenidas, muitos cursos d’água são lembrados somente ao transbordarem, quando o volume de água e lixo ultrapassa a capacidade de suas galerias. Limpar e manter esses canais são procedimentos difíceis e perigosos, principalmente nos fechados, pois o acesso é complicado.
Mas a mais grave conseqüência da canalização é o fato de ela comprometer a relação entre homem e natureza. As áreas verdes das margens são substituídas por concreto e asfalto; nadar, pescar e navegar passam a ser atividades quase impraticáveis.
Revitalizar é a solução
Experiências de países europeus, como a França (Rio Sena), mostram que a revitalização dos cursos d’água é a forma mais eficiente de permitir que ele integre o ambiente de maneira harmônica. O ciclo hidrológico é restabelecido, as plantas e animais voltam a habitar os cursos d’águas e suas proximidades, nadar e pescar passam a ser atividades possíveis, o esgoto deixa o córrego.
Revitalizados, os rios e córregos podem, inclusive, ser aproveitados como áreas de recreação e lazer. Fica provado que reconhecer que os cursos d’água são fonte de vida, e não depósitos de lixo e esgoto, e agir de acordo com esse pensamento é garantia de uma melhor qualidade de vida.
Mas a revitalização só é possível com investimento em saneamento básico. Para tanto, a instalação de interceptores, que são canos que impedem que o esgoto caia nas águas dos córregos e rios, faz-se necessária. Com os interceptores, o esgoto é conduzido a estações de tratamento e a água, limpa, volta ao curso d’água.
Outras medidas necessárias à revitalização dos córregos e rios são o combate a erosões, o plantio de vegetação nas margens dos cursos d’água, assim como a remoção das famílias dos locais suscetíveis a inundação. É também preciso resguardar a área de inundação natural do rio, evitando que, na época das cheias, a população corra o risco de ter suas casas invadidas pela água.
A educação ambiental e a consciência ecológica também devem ser trabalhadas. Não adianta revitalizar um rio se uma cultura de destruição e descaso com relação ao meio ambiente é mantida. Muitos projetos já tem conquistado algumas vitórias nesse sentido. Muitos Núcleos de educação ambiental espalhados pelo brasil afora foram formados em função desse debate pela revitalização e já se percebe uma mudança de mentalidade da população. Em Belo Horizonte, por exemplo, há uma decisão consolidada contra a canalização de cursos d’água.